terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Balançando sob a luz do sol: Pensamentos de uma mulher preta

Gostaria de iniciar esse texto me desculpando pelo longo período de ausência. Venho passando por um período doloroso em que apesar do pensamento intenso, não consigo passar o que sinto para o papel. Enquanto mulher preta aprendi com a vida a não demonstrar meus sentimento, passando a imagem de uma mulher forte, que não tem tempo para lamentos, choros, cicatrização das feridas... E então me vejo tendo que lidar com uma depressão. Uma doença que jamais pensei que pudesse fazer parte da minha vida. Então tive que parar... Despir-me da armadura, me olhar no espelho, permitir vivenciar o processo de fragilidade, o cansaço, a dor acumulada, o choro engasgado e contido ao longo da vida. Precisei pedir  ajuda e me expor falando de todas as minhas angustias e receios. Um processo longo, em que venho aprendendo a lidar com meus sentimentos e limitações. E hoje, depois de muito tempo, bateu uma vontade de escrever, colocar para fora questionamentos que andam me rondando.
Tenho lido vários textos, pelas redes sociais, falando sobre as dores e a solidão das mulheres pretas e diante de tudo que tenho passado atualmente, comecei a pensar um pouco mais sobre esse assunto. Enquanto pedagoga e educadora tenho uma grande admiração pelas ideias de Paulo Freire. No seu livro: “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire aborda a dificuldade em deixar de ser oprimido sem virar opressores ou subopressores. E levando isso para nós, pretos e pretas, tão engajados na luta diária contra o racismo, me pergunto até que ponto não contribuímos para a solidão dos nossos pares?
Todos sabem da necessidade que temos, enquanto seres humanos, em nos mantermos em grupos. A alienação provocada pelo racismo, muitas vezes nos leva a querer fazer parte de grupos que não nos representam, fazendo com que o processo de construção da nossa identidade aconteça de forma distorcida. No momento em que entendemos nossa condição de oprimidos e despertamos para nossa consciência negra, buscamos desesperadamente nossos semelhantes, irmãos e irmãs que possam nos acolher, saciar nossa sede pelo saber, descobrir nossas histórias através das historias dos nossos pares... Buscamos alicerces para a construção e afirmação de uma nova identidade. Neste momento é que nós, engajados na luta contra o racismo (cada qual a seu modo), precisamos lembrar o verdadeiro significado da palavra irmandade. Precisamos olhar nossos pares sem julgamentos ou reprovações de atitudes.

Eu, muitas vezes, julguei irmãs por achar que não estavam engajadas na luta o suficiente, pela dificuldade ou mesmo opção em manterem os cabelos alisados, por achar que não estavam se valorizando ao exporem demais seus corpos, por pensarem diferentes a mim, por viverem relações inter-raciais... E todos esses julgamentos me impediram de olhar essas mulheres pretas como irmãs, de oferecer ajudar quando elas precisaram, de me unir a elas com o que temos em comum: nossas dores e solidão...  E hoje me deparo com a mesma sensação de solidão que devo ter causado a outras. Hoje sinto que por ter optado por um companheiro branco, sou olhada com reprovação pelos meus pares, como se toda a minha luta diária contra qualquer forma de opressão fosse menos significativa agora. Como se ao ter casado com um homem branco meus posicionamentos deixassem de ter o peso de antes... E diante de toda essa situação aprendi a rever a forma como eu também julguei muitas irmãs. Hoje entendo melhor o quanto ainda precisamos praticar o verdadeiro significado de irmandade, lembrando sempre o que temos de semelhantes.  

(Preta_dss )

2 comentários:

  1. Gostei de ler o teu desabafo e quem sabe mais mulheres negras se identifiquem e deixem de lado a firmeza e rigidez da capa que construímos durante toda a nossa vida. Força e espero que saias dessa rápido :)

    *XoXo
    Helena Primeira
    Helena Primeira Youtube
    Primeira Panos

    ResponderExcluir
  2. Sair de cena também é uma necessidade, e temos que utilizar deste recuso sempre que preciso for. A depressão, o banzo, é horrível. Mas, é essa super sensibilidade que faz de nós especiais. Um forte abraço, e acolho tua dor e ela passa. Lindo texto!

    ResponderExcluir