Autor(es): Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as
Mulheres
Basta um mínimo de sensibilidade para
perceber que ser mulher no Brasil exige lutar o tempo todo, desde pelo direito
à vida própria (autonomia) até o direito à própria vida (no enfrentamento à
violência). Se a mulher for negra, essa exigência chegará ao absurdo. Isso,
apesar do espaço conquistado por meio das lutas históricas das mulheres em
geral, e das negras em particular. Lutas que conseguiram se traduzir em
políticas públicas; aliás, razão de ser da Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM): enfrentamento à violência, acesso a trabalho e renda, à
educação e saúde e de empoderamento político.
Mas como a vulnerabilidade é mais aguda para as negras? Uma leitura das estatísticas, somada à escuta de narrativas delas, abre uma fresta para o entendimento dessa realidade.
Mas como a vulnerabilidade é mais aguda para as negras? Uma leitura das estatísticas, somada à escuta de narrativas delas, abre uma fresta para o entendimento dessa realidade.
As mulheres são mais da metade da nossa
população (51,5%, ou 100,5 milhões). As negras são metade das brasileiras: 50,2
milhões (Pnad/IBGE, 2011). Além do peso do estigma sexista, elas, as mulheres
negras, suportam sozinhas o peso da herança escravista. E a desigualdade
trazida pelo sexismo é mais desigual ainda para com as negras. Por exemplo, no
trabalho. Se para as mulheres em geral, a dedicação desigual às tarefas
domésticas e aos cuidados com filhos e idosos dificulta seu ingresso e ascensão
no mercado, para as negras essas barreiras tornam-se verdadeiros pedágios
sociais.
Esses, se conseguido o acesso, geram
diferença de ganho. Se as mulheres em sua grande maioria ganham menos do que os
homens, e os negros também no geral ganham menos do que os brancos, essas duas
condicionantes enfeixam-se perversamente nas negras e derrubam mais ainda os
seus rendimentos. Para a sociedade, consideradas as mesmas funções, é
"natural" que uma negra ganhe 30% menos do que uma branca.
Acrescente-se que o mapa do país tem gradação
de cor, determinada pela pobreza. Há mais negras nas regiões mais pobres: no
Nordeste, 68,9% delas são negras; no Norte, 73,4%; no Centro-Oeste, 54,5%; no
Sudeste, 42,1%; e no Sul, 20%.
É por tudo isso que, além das políticas públicas
voltadas às mulheres, a SPM alinha todas as suas ações ao combate ao racismo.
Uma dessas iniciativas terá seu ponto alto na terça-feira, quando se
homenagearão as vencedoras do Prêmio Mulheres Negras Contam sua História.
O prêmio contempla relatos das negras e as
tira do anonimato para assim reposicioná-las como sujeitos na construção da
história do Brasil. Com isso, permite ao país conhecer (e se reconhecer num) um
acervo de narrativas preciosas pelos dramas, pela coragem e pelas atitudes.
Cito três exemplos, dos 520
redações e ensaios inscritos:
— Uma menina foge da guerra em Angola,
exila-se em Portugal e finalmente chega ao Brasil. Na dura vida de empregada
doméstica no Paraná, sua moeda de troca com os patrões é o estudo. Ele será sua
porta de saída para o escritório, isso, depois de fugir para Cuiabá. Já em
Brasília, cursa jornalismo, contata a Embaixada de Angola e revê sua família.
Hoje, essa angolana-brasileira é repórter da TV Angolana.
— Menina da periferia paulistana sonha com a
USP — isso, antes das políticas afirmativas do governo Lula. Essa narrativa, em
forma de ensaio, compara o antes e o depois dessas políticas para a população
negra. No antes, as tentativas de entrar na USP, os cursinhos comunitários, a
alimentação à base de pão e iogurte barato. Finalmente, enfermagem. Mas ali, de
negros, só estudantes — e, mesmo assim, apenas 10%.
— O bullying marca o relato de uma
pernambucana filha de famoso militante e poeta. Já no Rio, na mistura de
militância e poesia do duro dia a dia, ela teve de conviver com o apelido dado
a quem estudava na sua escola. Com o lanche ali resumido a mate e angu,
viram-se todos e todas ainda por cima cruelmente carimbados de "mate com
angu".
É essa realidade, contada pela voz forte
dessas mulheres e pelos números, que cabe a todos mudarmos. O que já foi
conquistado, pela sociedade e pelo governo, deve ser cada vez mais consolidado
— e como marca de compromisso, para banir de vez o preconceito racial. Por fim,
lembro que o enfrentamento cotidiano à violência e aos preconceitos em nosso
país tem três faces inseparáveis: gênero, raça e classe social — mulheres,
negras e pobres, na grande maioria. Só será possível erradicá-los por meio de
uma mudança de valores e comportamentos na sociedade, para que ela se torne
mais justa, baseada no respeito, na autonomia e na igualdade entre homens e
mulheres.
Fonte: Clipping
http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/questoes-de-genero/265-generos-em-noticias/18254-a-vulnerabilidade-e-a-forca-das-mulheres-negras
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