terça-feira, 14 de abril de 2009


O que vem a sua cabeça quando escuta a palavra África?
Provavelmente a visão de uma África triste, de pessoas famintas e doentes, pobre, incapazes de lutar por suas vidas, um lugar para se fazer boas ações, serem caridosos (as) ajudando um povo tão frágil e indefeso. Enxergamos a África como um lugar com pessoas dignas de dó e piedade. Quantas vezes não ouvimos frases do tipo: “precisamos levar o desenvolvimento ao Continente africano”, “Que tristeza ver essas pessoas tão famintas e doentes”, “A África é um lugar tão pobre de tudo, não podemos deixar esse povo morrerem”, “Olha filhinha não desperdice comida, pois na áfrica existe um monte de crianças que passam fome!”.
Como podemos nós, um país com a maior concentração de descendentes de africanos desconhecermos nosso continente de origem? Eu disse CONTINENTE e não país como muita gente entende a África. Profissionais acadêmicos prestes a dar aula de Geografia ainda enxergam a África como um país!!!! Como pode um absurdo desses? Até quando mostraremos nas salas de aula a visão de uma África estereotipada, representada como o país do safári, selvagem, exótica, homogênea, sem valor humano, cultural, sem historia, sem vida... Uma África completamente dependente.
O Continente africano não é só fome, miséria e doença. São 54 países independentes. Um continente rico em cultura, arquitetura, paisagens, cores, tradições, historias, cidades, pessoas...

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SOU ÁFRICA



(Rogério, Thomas, Gnomo, Junior são de São Paulo/SP)


Quem vende sua alma barato é rato
É fato o que tenho dito
Sou preto, e repito
Não me dou ao inimigo
E o rato paga o pato
Ao se vender para o inimigo
Não paga como indivíduo
Mas sim como coletivo
Com sua alma de preto. Paga
Com o seu povo no gueto. Paga
Nas senzalas, nas correntes. Paga
Outrora escravizaram nosso corpo
E a liberdade estava na mente
Hoje escravizam nossa mente
Quando o corpo é independente
Isso na cabeça de meus irmãos, não aceito
Portanto... é por pouco tempo
Com minha lança furo seu sapato
E venho na multidão
Cobrando 500 anos de escravidão
Não sou rato; sou mais um em um milhão
Sou Zumbi, sou Luiz Gama,
sou Malcon X,sou Marcos Garvey
Sou homem preto, mulher preta,
sou jovem, sou criança...
Sou África.


A mesma África, um outro olhar

UM LUGAR CHAMADO UMOJA

Foto-reportagem de Christophe Calais/
Corbispor Manuel Dias Coelho

Umoja é nome de aldeia, de refúgio único de mulheres ultrajadas, de bandeira de liberdade e de fermento de feminismo. Nesse recanto do Quénia os homens entram, mas não mandam. Conheça um feudo feminino onde as mulheres são as únicas senhoras dos seus destinos. Um grupo de quenianas estigmatizadas pela violação sexual fundou uma aldeia onde só elas reinam, dominam e decidem os seus destinos. Os poucos homens que com elas convivem sujeitam-se às regras da submissão ao poder feminino e os que visitam a aldeia fazem-no apenas na condição de parceiros amorosos.

Uma mulher de corpo inteiro
Rebecca Samaria Lolosoli é uma mulher de idade indefinida que fundou a aldeia de Umoja, dando abrigo a outras mulheres que, como ela, foram ou são vítimas de violação ou de abusos sexuais, ou que querem fugir de casamentos forçados ou de uma escravidão diária. Um dia, na sua aldeia, enfrentou o poder patriarcal e familiar ao decidir que o casamento de um irmão seu com uma rapariga de 13 anos não iria ter lugar. Agarrou na mão da menina, que tremia, e disse-lhe: “És uma criança. Ele é um velho. As mulheres já não têm de aturar este tipo de disparates.” E ordenou ao irmão que regressasse a casa. Só.


Um lugar de excepção
Ao contrário do que acontece na restante África, as mulheres circulam livremente em Umoja, sem receio de poderem ser assaltadas sexualmente. Segundo o relatório de uma ONG ao serviço da Organização das Nações Unidas, as distâncias extremas que as mulheres africanas são forçadas a percorrer para se abastecerem de alimentos, de água, ou de lenha para elas e para os filhos, propiciam as violações sexuais. Alerta esse documento: “As mulheres têm de caminhar longas distâncias, por vezes no interior das florestas, apenas para encontrar água. Durante a caminhada elas são, muitas vezes, vítimas de violação.” Até nisto, Umoja é um reduto de liberdade.
De vítimas a mulheres determinadas

Umoja é um feito de 15 mulheres lideradas por Rebecca Lolosoli, as quais travaram uma dura luta com as autoridades britânicas para que se fizesse justiça por terem sido violadas, várias delas repetidamente, por soldados britânicos durante exercícios militares no Quénia, nos anos 80 e 90. Algumas exibiram como prova os filhos mestiços. A justiça acabou por ser feita e pagas indemnizações, e o seu paladino foi Martyn Day, do escritório de advogados Leigh Day & Co., sedeado em Londres. Ainda assim, os maridos repudiaram-nas por elas constituírem uma mancha na sua honra de homens. Abandonadas, decidiram fundar um lugar só para mulheres, Umoja, e viver pelos seus meios. Passados 17 anos, vivem independentes, algumas com filhos nascidos de uniões recentes com os namorados que visitam a aldeia.
Os frutos da liberdade

São cerca de meia centena as mulheres que vivem em Umoja e que passaram a subsistir de artesanato e de elaborados colares de contas que fabricam e vendem a mulheres samburu e a turistas que viajam para a Reserva Nacional de Samburu. Estão ligadas ao mundo exterior pelas novas tecnologias, como se pode ver pelo telefone celular na fotografia acima. Rebecca Lolosoli tem um site onde pede apoio e ajuda financeira ao seu louvável projecto em www.jambosafaris.com/umojacharity.htm. A loja on-line de venda de artefactos destas mulheres, cujos proventos revertem a favor da causa, pode ser consultada em www.samburucouncil.co.uk. Os contactos com Lolosoli podem ser feitos através do e-mail mailto:paranlolo@africaonline.co.ke.ke.

Um caso de sucesso
suficientes para subsistirem com os filhos e com os escassos homens que optaram pela “submissão” às leis da comunidade. Com as mulheres no comando, as crianças passaram a frequentar a escola da aldeia em vez de tomarem conta do gado, como ordenariam os homens se vivessem num outro lugar. Rebecca Lolosoli disse ao The New York Times: “Temos visto tantas mudanças positivas nestas mulheres. Estão mais saudáveis e felizes. Vestem-se melhor. Dantes costumavam pedir [alimentos]. Agora, são elas que dão comida a outros.”
A força de mulheres livres
Quando as mulheres erigiram a aldeia de Umoja, os homens que se sentiram abandonados construíram uma outra aldeia do outro lado da estrada, de forma a melhor poderem controlar as vidas e os actos das suas mulheres, noivas ou familiares que decidiram viver na comunidade feminina. E porque não existe o divórcio na cultura samburu, muitos dos homens irrompem pela aldeia exigindo o regresso a casa das esposas. Se eles se tornarem violentos face à resistência delas, as mulheres recorrem às autoridades locais. A independência em Umoja faz com que sejam as mulheres a eleger os seus parceiros sexuais. Uma delas disse: “Nós não dizemos que não precisamos dos homens. Somos humanas e temos as nossas necessidades. Mas os homens que aqui entram ficam por pouco tempo. São meros namorados.”

Cantar a felicidade

Rebecca Lolosoli e as suas companheiras de luta e de vida em comum têm motivos para se sentirem felizes. O que elas conseguiram é um pequeno paraíso comparado com a dramática realidade das demais mulheres africanas. Em Março deste ano, Alpha Oumar Konaré, presidente da Comissão da União Africana (UA), denunciou que a violência contra mulheres e raparigas em África atingiu níveis sem precedentes, e isto inclui a violação sexual de mulheres de todas as idades e de bebés menores de um ano. O exemplo de Umoja é difícil de repetir num continente onde se intensifica a feminização da pobreza e se dissemina de forma assustadora o vírus da Sida nas mulheres.
O poder no feminino
A independência adquirida pelas mulheres de Umoja tornou-as tão respeitadas que mulheres de outros pontos do Quénia têm procurado refúgio na aldeia, e a sua matriarca, Rebecca Lolosoli, participou numa importante conferência internacional sobre género e igualdade de oportunidades entre os sexos, realizada em Nova Iorque. Lolosoli tem razão quando afirma: “Nós, as mulheres, estamos sempre debaixo dos homens. Tratam-nos como se não existíssemos. Só servimos para lhes dar filhos. É como se fôssemos propriedade deles, e, ainda por cima, somos maltratadas.” Só que em Umoja isso já faz parte do passado e Rebecca Lolosoli garante que assim se irá manter.
Fontes: Edições on-line de The Washington Post, The New York Times, BBC News, Organização das Nações Unidas, União Africana e site de Leigh Day & Co