Há algum tempo atrás, durante um bate papo no facebook ouvi
de um amigo muito querido a seguinte pergunta: “E ai, como vai vida de mulher
branca?”. Para que todos entendam o porquê da pergunta vou detalhar a história.
Sou uma mulher preta com seus 31 anos
de idade, 10 deles vivendo em constante e turbulenta construção da minha identidade
étnica, de gênero, de classe... Uma preta que luta diariamente com as
cicatrizes causadas pelo racismo. E com esse processo de resgate da minha
negritude, muitas coisas mudaram... Meus gostos pessoais, conceitos, ideias,
concepções políticas e também meu conceito de padrão de beleza. E em
decorrência de todo esse processo passei a me relacionar exclusivamente com
homens pretos e militantes. Apesar de sempre pregar e defender o discurso de
que ser preto é mais que pigmentação de pele... E que me relacionava com gente
e não com cor, me fechei no conforto de estar entre dos iguais. Mergulhei na
militância... Um mundo fascinante, regado de discursos embasados na liberdade
de expressão, no respeito à classe trabalhadora, na relação de companheirismo
entre homens e mulheres pautada da igualdade de direito e gênero e,
principalmente, na valorização de nós, mulheres pretas. A idealização de uma sociedade mais justa,
onde não existam opressores nem oprimidos.
No entanto, apesar de todo um posicionamento
político em prol de uma mudança, infelizmente, continuamos imersos a essa
sociedade machista, sexista, excludente, capitalista... Que se sustenta através
de uma base de hierarquia de exploração. E com isso, muitas vezes a teoria de
boa parte dos militantes não condiz com sua pratica diária.
Durante o
tempo em que me relacionei com homens pretos militantes percebi o quanto ainda
é complexo associar o discurso da teoria com a prática do cotidiano. Muitas
vezes nos apaixonamos pelo discurso do cara, pela possibilidade de vivenciar um
relacionamento baseado no companheirismo e no respeito, mas nem sempre as
coisas são assim. Minhas experiências não foram positivas... Ou melhor, foram
positivas no sentido de me fazerem refletir sobre a situação da mulher preta
nessa sociedade e em como, muitas vezes, julgamos esta vivendo uma realidade
diferenciada, quando na verdade ainda permanecemos vitimas das varias formas de
violências ocasionadas pelo racismo, machismo e sexismo. Demorou muito para que
eu percebesse que, mesmo me relacionando com homens pretos, teoricamente
esclarecidos e engajados, eu estava vivendo uma relação baseada em traição,
ciúmes, possessividade, sofrendo violência psicológica e emocional. Muitas
vezes, por conta de todo o nosso esclarecimento e engajamento, demoramos a
perceber quando estamos em um relacionamento pautado na violência, ainda mais
quando essa violência não é algo físico. Demoramos a associar que, talvez,
aquele (a) que temos como companheiro (a) não nós faz bem e que é preciso dar
um basta nesta situação. E como é
difícil deixar alguém a que ainda amamos! Mas, quando resgatamos o nosso amor
próprio, entendemos que a relação que acreditávamos ser baseada no amor, na
verdade, nada mais era que uma relação doentia.
E assim, em um dia qualquer, acordei e decidi que era o fim.
Depois dessa
e outras pequenas decepções amorosas associadas a discursos politicamente
corretos, decidi que era hora de olhar a vida pelos meus olhos. Deixar o
conforto das militâncias (muitas vezes utópica) e tentar de uma maneira simples
e pratica trazer as coisas das quais acredito em uma relação para o meu
cotidiano. Decidi me permitir conhecer homens reais, da vida real, com seus
defeitos e qualidades, que talvez não discursasse criticamente, mas que
buscasse com suas atitudes diárias ser companheiro, amigo, parceiro, que
estivesse disposto a aprender e reaprender.
E assim
entra o titulo desse texto. Quando eu menos esperava encontrei alguém que vem
me proporcionando uma relação saudável, baseada no companheirismo, da forma
mais simples que essa palavra pode significar. Ele não é militante, não é
acadêmico, não é preto... Mas é meu companheiro, meu amigo, parceiro, me
respeita e valoriza enquanto mulher preta que precisa lutar diariamente contra
as diversidades dessa sociedade racista, machista e sexista. Ele soube
respeitar minhas angustias e preocupações em encarar um relacionamento inter-racial
depois de tanto tempo me relacionando só com homens pretos. Ele soube entender
minha necessidade de discutir nossas lutas diárias, os problemas que
enfrentaríamos com estranhos e conhecidos, a importância da construção da minha
identidade e de sua apropriação dos meus posicionamentos políticos e da
militância solitária através desse blog, nas escolas, no trabalho, no meu
dia-a-dia. Ele soube respeitar meus medos e receios de me relacionar com um
homem branco.
Hoje, pela
primeira vez na minha vida, vivencio um relacionamento com teorias aplicáveis
do cotidiano. Teorias simples que proporciona a nós dois, toda uma (re)
construção do que buscamos enquanto companheiros. Ironicamente, não me sinto
menos preta ao lado dele... Pelo contrario, hoje tenho muito mais enraizado
dentro de mim as minha condição de mulher preta. Hoje consigo perceber com
muito mais nitidez o que busco para minha vida e o que mereço ter enquanto
mulher (preta, branca, amarela...).
E aqui estou
eu, após meu casamento, consciente de que não quero e nem viverei a vida de uma mulher branca... Mas sim a minha
vida, enquanto mulher preta, que merece (como qualquer outra) uma relação de
companheirismo, respeito, valorização e amor.
(Preta_dss - Mar/2015)