sexta-feira, 1 de maio de 2015

VIDA DE MULHER BRANCA

Há algum tempo atrás, durante um bate papo no facebook ouvi de um amigo muito querido a seguinte pergunta: “E ai, como vai vida de mulher branca?”. Para que todos entendam o porquê da pergunta vou detalhar a história.
Sou uma mulher preta com seus 31 anos de idade, 10 deles vivendo em constante e turbulenta construção da minha identidade étnica, de gênero, de classe... Uma preta que luta diariamente com as cicatrizes causadas pelo racismo. E com esse processo de resgate da minha negritude, muitas coisas mudaram... Meus gostos pessoais, conceitos, ideias, concepções políticas e também meu conceito de padrão de beleza. E em decorrência de todo esse processo passei a me relacionar exclusivamente com homens pretos e militantes. Apesar de sempre pregar e defender o discurso de que ser preto é mais que pigmentação de pele... E que me relacionava com gente e não com cor, me fechei no conforto de estar entre dos iguais. Mergulhei na militância... Um mundo fascinante, regado de discursos embasados na liberdade de expressão, no respeito à classe trabalhadora, na relação de companheirismo entre homens e mulheres pautada da igualdade de direito e gênero e, principalmente, na valorização de nós, mulheres pretas.  A idealização de uma sociedade mais justa, onde não existam opressores nem oprimidos.
No entanto, apesar de todo um posicionamento político em prol de uma mudança, infelizmente, continuamos imersos a essa sociedade machista, sexista, excludente, capitalista... Que se sustenta através de uma base de hierarquia de exploração. E com isso, muitas vezes a teoria de boa parte dos militantes não condiz com sua pratica diária.
Durante o tempo em que me relacionei com homens pretos militantes percebi o quanto ainda é complexo associar o discurso da teoria com a prática do cotidiano. Muitas vezes nos apaixonamos pelo discurso do cara, pela possibilidade de vivenciar um relacionamento baseado no companheirismo e no respeito, mas nem sempre as coisas são assim. Minhas experiências não foram positivas... Ou melhor, foram positivas no sentido de me fazerem refletir sobre a situação da mulher preta nessa sociedade e em como, muitas vezes, julgamos esta vivendo uma realidade diferenciada, quando na verdade ainda permanecemos vitimas das varias formas de violências ocasionadas pelo racismo, machismo e sexismo. Demorou muito para que eu percebesse que, mesmo me relacionando com homens pretos, teoricamente esclarecidos e engajados, eu estava vivendo uma relação baseada em traição, ciúmes, possessividade, sofrendo violência psicológica e emocional. Muitas vezes, por conta de todo o nosso esclarecimento e engajamento, demoramos a perceber quando estamos em um relacionamento pautado na violência, ainda mais quando essa violência não é algo físico. Demoramos a associar que, talvez, aquele (a) que temos como companheiro (a) não nós faz bem e que é preciso dar um basta nesta situação.  E como é difícil deixar alguém a que ainda amamos! Mas, quando resgatamos o nosso amor próprio, entendemos que a relação que acreditávamos ser baseada no amor, na verdade, nada mais era que uma relação doentia.  E assim, em um dia qualquer, acordei e decidi que era o fim.
Depois dessa e outras pequenas decepções amorosas associadas a discursos politicamente corretos, decidi que era hora de olhar a vida pelos meus olhos. Deixar o conforto das militâncias (muitas vezes utópica) e tentar de uma maneira simples e pratica trazer as coisas das quais acredito em uma relação para o meu cotidiano. Decidi me permitir conhecer homens reais, da vida real, com seus defeitos e qualidades, que talvez não discursasse criticamente, mas que buscasse com suas atitudes diárias ser companheiro, amigo, parceiro, que estivesse disposto a aprender e reaprender.
E assim entra o titulo desse texto. Quando eu menos esperava encontrei alguém que vem me proporcionando uma relação saudável, baseada no companheirismo, da forma mais simples que essa palavra pode significar. Ele não é militante, não é acadêmico, não é preto... Mas é meu companheiro, meu amigo, parceiro, me respeita e valoriza enquanto mulher preta que precisa lutar diariamente contra as diversidades dessa sociedade racista, machista e sexista. Ele soube respeitar minhas angustias e preocupações em encarar um relacionamento inter-racial depois de tanto tempo me relacionando só com homens pretos. Ele soube entender minha necessidade de discutir nossas lutas diárias, os problemas que enfrentaríamos com estranhos e conhecidos, a importância da construção da minha identidade e de sua apropriação dos meus posicionamentos políticos e da militância solitária através desse blog, nas escolas, no trabalho, no meu dia-a-dia. Ele soube respeitar meus medos e receios de me relacionar com um homem branco.
Hoje, pela primeira vez na minha vida, vivencio um relacionamento com teorias aplicáveis do cotidiano. Teorias simples que proporciona a nós dois, toda uma (re) construção do que buscamos enquanto companheiros. Ironicamente, não me sinto menos preta ao lado dele... Pelo contrario, hoje tenho muito mais enraizado dentro de mim as minha condição de mulher preta. Hoje consigo perceber com muito mais nitidez o que busco para minha vida e o que mereço ter enquanto mulher (preta, branca, amarela...). 
E aqui estou eu, após meu casamento, consciente de que não quero e nem viverei a vida de uma mulher branca...  Mas sim a minha vida, enquanto mulher preta, que merece (como qualquer outra) uma relação de companheirismo, respeito, valorização e amor.
(Preta_dss - Mar/2015)