quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Tornando-se preta num segundo nascimento.

É estranho como podemos passar uma vida inteira sem nos enxergarmos como realmente somos. Eu por exemplo tenho 25 anos, mas apenas há 5 anos enxergo-me enquanto preta. Como pode (perguntarão alguns) alguém não perceber que nasceu com a pela escura, com o cabelo crespo, com o nariz largo, enfim... Como pode alguém não perceber que nasceu preto ou preta? E eu respondo: isso é totalmente aceitável nessa sociedade racista.
Cresci num mundo de apresentadoras infantis loiras, de barbies (magras, de pele clara, olhos azuis, cabelos longos e lisos), de “contos de fadas” sem nenhuma princesa preta. Desenhos, revista, livros, televisão...Tudo, mostrando-me o quanto era ruim nascer preto ou preta.
Ao entrar na escola percebi a dor cruel do racismo. Só que é preto ou preta vai entender o significado de um apelido na escola (negrinha fedida, cabelo Bombril, macaca, safada...). Saber que você é xingada por conta da cor da sua pele. No começo buscamos o auxilio da professora. E essa, muitas vezes não julga o racismo sofrido por uma criança algo relevante. Com isso percebemos, decepcionados, que: “Não importa em quantos pedaços seu coração tenha se partido, o mundo não parará para que você o concerte”. E dessa forma aprendemos que estamos sozinhos/as nessa luta e que precisaremos criar estratégias de defesa para sobreviver nessa sociedade que nos exclui. Aprendemos a nos tornarmos invisíveis: Sempre calados, de cabeça baixa, olhos para o chão, o corpo numa tentativa desesperadora de entrar em sim mesmo encolhe-se, encurva-se, tornar-se nosso refugio e também nosso castigo.
Raiva: da pele escura, do cabelo crespo, do nariz, da boca, do quadril largo, das características herdadas dos nossos pais. Por que nascer desse jeito? Os racistas fazem-nos acreditar que o problema esta em nós, na nossa família, nos iguais. Passamos a nos odiar, odiar que amamos e todos/as aqueles/as que são parecidos/as com a gente. Durante muito tempo odiei as pessoas erradas. Olhava para minha mãe e sentia raiva dela, por ter saído como ela. Queria ter nascido uma parda como são consideradas as minhas irmãs (afinal, antes um branco meio sujo do que do que preto ou preta: sujo, encardido, triste, perigoso, assustador, nefasto, escravo, individuo da raça negra...). Queria os olhos azuis ou verdes, queria o cabelo liso ou ondulado, queria a pele branca, rosada ou bronzeada do sol, o nariz fino e arrebitado, queria estar no padrão, se olhada e admirada e não tratada como pedaço de carne, como aquela que é boa como amante (afinal, as negras são historicamente boas de cama, boas amantes, desde da época da escravidão quando eram estupradas pelos seus senhores).
Quando me olhava no espelho não me via como me vejo hoje. Enxergava-me como gostaria de ser: de um branco meio sujo, uma morena não tão clara, morena escura talvez!? O cabelo alisado me ajudava no processo de alienação. Afinal, pelo menos os meus cabelos estariam no padrão.
Dessa forma vamos mutilando nosso corpo, nossa alma, nosso psicológico. Assimilando cada vez mais as características do opressor, a política do opressor, a cultura do opressor... Um desejo de quem sabe um dia torna-se a copia do opressor.
A dor do racismo é uma ferida que só dói quando a tocamos. Por isso é fácil entender por que muitos preferem não falar sobre o que sofre. Como é dolorido “o despertar”. Sair dessa alienação é passar pelo processo do parto, nascer novamente. E foi isso que aconteceu comigo. Nasci: Agora sim uma mulher preta! E como foi estranho me olhar no espelho pela primeira vez, sem o véu da alienação... Uma imagem estranha refletia no espelho. Senti-me como um cego a enxergar pela primeira vez: - Então eu sou assim?
Não é simples passar a aceitar-se. Escurecer sua pele dizendo: “Não sou morena, sou preta”, livra-se da química tão impregnada no seu cabelo, adotar um black, uma trança, o cabelo natural de uma mulher preta. Estar preparada para os olhares, para os comentários: “Nossa porque você não alisa esse cabelo?”, “Eu não teria essa coragem de deixar meu cabelo assim”, “Preta? Mas você é moreninha. Falar preta é feio”, “Arruma um marido branco para clarear a família...” Às vezes escuto pessoas dizerem: “Vocês negros é que vêem racismo em tudo”. Hoje ao ouvir esse tipo de comentário respondo com a maior naturalidade: Sim, Eu que vejo racismo em tudo, afinal sou eu que sofro racismo todo o dia quando saio na rua, quando entro numa loja e a vendedora gruda em mim, quando vou a um salão qualquer e escuto a cabeleireira dizer que vai “dar um jeito no meu cabelo” como se meu cabelo já não fosse ajeitado com jeito crespo dele.
Enquanto mulher preta eu jamais poderei deixar de militar e debater sobre o racismo, pois esse baterá na minha porta todas as manhas. Uma vez que saímos da caverna, que percebemos que a imagem projetada no fundo da caverna não era a realidade verdadeira, estamos condenados a dor da indignação, a revoltar-nos com as desigualdades dos nossos irmãos e irmãs, a lutarmos em nome de tantos outros/as que lutaram no passado.
Ser preto ou preta é descobrir sua historia, entender a lutas e as injustiças do passado, reafirmar sua identidade no presente, visando o futuro das novas gerações que muito ainda terão que lutar.

sábado, 26 de setembro de 2009

28 de setembro pelo direito decidir! Legalização do aborto

Cenas do documentário "Fim do Silêncio" de Thereza Jessouroun.

Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=XbSUP0G5_Y0

Entrevista com Clarissa Menezes sobre o Dia de Luta pela descriminalização do aborto na América Latina

Reproduzimos entrevista publicada no Jornal Palavra Operária, da Liga Estratégia Revolucionária, com Clarissa Menezes, militante do Pão e Rosas e da LER-QI e mestranda em Saúde Coletiva na UFRJ. Ela nos fala sobre a Campanha Latino-Americana pelo Direito ao Aborto e como vê a luta no Brasil por esse direito.

Dia 28 de setembro é o Dia de Luta pela Legalização do Aborto na América Latina e Caribe. Qual a importância dessa data e como está colocada na realidade a questão do aborto hoje?
Nos manifestamos dentro das universidades e locais de trabalho em defesa de nosso direito à vida e de decidir sobre nossos próprios corpos cotidianamente. E isso deve ganhar maior força neste mês, quando se aproxima o dia 28 de setembro. Em toda a América Latina estima-se que morrem cerca de 5 mil mulheres todos os anos por conseqüência da clandestinidade do aborto. No Brasil cerca de 1 milhão de abortos são realizados por ano, são feitas 250.000 internações para o tratamento das complicações de aborto no sistema público de saúde, sendo que em estados como BA e PE a primeira causa de mortalidade materna é em conseqüência de abortos clandestinos. Qualquer profissional da saúde sabe que essas mortes são perfeitamente evitáveis, concordem ou não com a legalização do aborto. Mas porque então as mulheres seguem morrendo ensangüentadas, sofrendo conseqüências graves como infecções que as levam a ter que retirar o útero, passando por humilhações de todo o tipo nos hospitais, tendo seu útero perfurado, sendo deixadas 2, 3 dias sagrando nas macas como “punição”, entre tantas outras atrocidades?

E frente a tudo isso, os setores contrários ao direito ao aborto seguem na ofensiva...
Sim, é verdade. Sobre nossos corpos se impõe a Igreja aliada aos distintos governos, além da Frente Nacional Parlamentar Contra o Direito ao Aborto. Além disso, está sendo organizado para o ano que vem um “Encontro internacional pela vida” sediado no Brasil, que é tido como um exemplo no combate à legalização do aborto, por exemplo com o caso de quase 10 mil mulheres perseguidas pela justiça burguesa no Mato Grosso do Sul por terem fichas médicas numa clínica clandestina, e algumas cumprindo pena trabalhando em creches.

No meio da crise capitalista enquanto o governo Lula salva os capitalistas com bilhões de reais, mulheres e seus filhos morrem nas filas dos hospitais, diante de epidemias como a dengue, e recentemente a gripe A, e morrem todos os dias por conseqüências de abortos clandestinos. Enquanto isso, no mês passado foi dado dinheiro do governo para a realização de uma marcha em Brasília contra o direito ao aborto. Ao mesmo tempo, o posicionamento de figuras políticas contrárias ao direito ao aborto tem gerado intensas discussões, como se demonstrou no PSOL, quando em seu recente Congresso muitos militantes se rebelaram contra Heloísa Helena que faz campanha ativa contra esse direito, indo contra a própria resolução do partido sobre essa questão.

No caso do PT, estamos vendo nesta semana que Luiz Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC), ambos deputados federais, estão sendo punidos pelo partido por se colocar contra a descriminalização do aborto. Esses fatos novamente colocam com mais destaque o debate sobre o tema. Outro aspecto é que os partidos políticos já se preparam para as eleições de 2010 e há duas figuras femininas em destaque, que são Dilma Roussef e agora Marina Silva. Toda a aparência de progressista que Marina Silva tenta destacar em sua saída do PT esconde um fato que não é qualquer: assim como Heloísa Helena, ela se coloca contra um direito democrático elementar. Dilma se posiciona timidamente a favor da legalização, mas teríamos que perguntar como pôde cumprir um papel tão central no governo de Lula durante anos ao mesmo tempo em que sob esse governo não se avançou de fato na legislação que segue punindo brutalmente as mulheres que abortam. A verdade é que temos que aproveitar esse cenário em que muito se discutirá sobre o papel das mulheres e os discursos de emancipação. Temos que dizer em alto e bom som que enquanto meia dúzia de mulheres ascende ao poder, nós, mulheres trabalhadoras e pobres, seguimos morrendo nos corredores dos hospitais. E isso não pode significar emancipação.

Fale um pouco sobre a Campanha Latino Americana pelo Direito ao Aborto e as ações para o dia 28 de setembro.
A campanha está presente na Argentina, Bolívia, Brasil e Chile. Falando de América Latina, estamos num contexto em que a direita endurece suas ações, tendo em Honduras a sua principal expressão. Ao mesmo tempo, a resistência de massas se coloca e as mulheres estão cumprindo um papel destacado. Não tratamos do tema do aborto desligado dessas questões da realidade. Combater a ofensiva dos setores mais reacionários é parte fundamental da nossa luta. Nesse sentido, acho muito importante que somemos forças em frentes únicas amplas colocando-nos contra o golpe em Honduras e também na luta pelo direito ao aborto.

No Brasil, desde a Campanha Latino Americana, organizaremos atividades nas universidades e locais de trabalho, e também estaremos presentes nas ações pela legalização do aborto convocadas por outros movimentos e organizações, ao mesmo tempo em que mantemos públicas nossas diferenças políticas como é o caso da Frente Pela Legalização do Aborto, que tem um Manifesto que não assinamos por trazer em seu conteúdo uma defesa da democracia dos ricos que não compartilhamos. Mas penso que é fundamental somar forças em ações concretas. No CACH, Centro acadêmico de Ciências Humanas da Unicamp, onde atuamos, as/os companheiras/os votaram um chamado a organizar atividades no fim desse mês. Na reunião nacional da ANEL (Assembléia Nacional dos Estudantes Livre, impulsionada pelo PSTU) também propusemos impulsionar atividades pelo direito ao aborto, o que foi aprovado – e agora é hora de concretizar essa resolução. É preciso que as mulheres de toda a América Latina nos levantemos para dizer basta de mortes por abortos clandestinos, para que possamos decidir sobre nossos corpos e nossas vidas! Lutando por educação sexual em todos os níveis da educação pública, por contraceptivos gratuitos de qualidade e pelo direito ao aborto legal, livre, seguro e gratuito, garantido pelo Estado.

Fonte: http://nucleopaoerosas.blogspot.com/search/label/Direito%20ao%20aborto




quarta-feira, 12 de agosto de 2009

VIOLÊNCIA SEM SANGUE. O CRIME PRATICADO CONTRA AS MULHERES (por Vera Mattos)

Hei mulher! Por que você permitiu aquele primeiro tapa?Por que você permitiu aquela primeira calúnia?Aquela primeira injúria, aquela primeira difamação? Hei mulher! Será que você lembra quando tudo aconteceu? Era uma brincadeira entre você e ele... Talvez até a situação já viesse se repetindo... Mas tudo era tão leve e você acabava sorrindo, relevando, deixando para analisar depois. Temia ser chata, desagradável e acreditava que seria bom fazer concessões. Algumas vezes pensava que a causa era a bebida, sempre perdoada, pois permitida; acreditava sinceramente que o homem cansado, frustrado, tinha todas as justificativas do mundo para desabafar, para liberar em você e na família os sentimentos agressivos. Além disso, havia a vergonha das amigas, dos amigos, dos vizinhos, dos colegas de trabalho. E quanto a manchas roxas na pele? O que dizer mesmo? Topadas, uma pancadinha à toa, esbarrou em algum móvel, caiu em casa, e cada dia mais uma desculpa. Quando você pensava que estava enganando aos outros enganava principalmente a você mesma. Agora, volte ao primeiro tapa, a primeira pancada. Doeu?Hei mulher! Responde hoje, exatamente nesta hora que você está decidindo ir até uma Delegacia e ainda assim procura justificar este seu desejo de ir, de se expor, de falar de sua vida pessoal ou do pouco que ficou dela. Será que com todas acontece assim? Ou seria apenas com você? Lembra quando ele gritava com você? Dizia que você era gorda, estava acima do peso? Ou quando dizia que a cor do seu cabelo estava ridícula? Ou quando se referia a sua pouca capacidade intelectual? E o desprezo hein?Você sentiu na pele o desprezo quando ele disso que seu cheiro não era bom, que cheirava a cozinha, a óleo e alho. Mas você conseguia cozinhar para ele. Poderia ter servido cicuta, mas continuou tentando conquistá-lo com a comida de cada dia, velha lição centenária que assegura que homem se “pega pela boca”.Hei mulher! Acorda! Antes do primeiro tapa este homem ofereceu vários avisos. Ele estabeleceu um vínculo perigoso em que sua parceria foi fundamental: o da violência sem sangue. Todos os dias ele procurava negar a sua existência como mulher. Todos os dias ele dizia que você era menos, era menor, era infinitamente menor do que a mulher que ele sonhou ter, possuir. A palavra é posse. É muito barato transformar a companheira em empregada sem direito a qualquer obrigação trabalhista. Além disto, dentro da submissão há a existência do sexo, geralmente com dia e hora marcados. Outros homens querem sexo diariamente, pouco se interessando se seu dia foi estafante, estressante, se houve dupla, tripla jornada. Acreditam que você tem que estar disposta e também apresentar uma boa disposição. O seu sonho de Cinderela desabou. Você viu isto? Você sentiu isto?Estamos no século XXI. Você como eu é do século passado! Se estamos em 2007 evidentemente que qualquer mulher viva hoje é do século passado. O que quero dizer? É que somos do século passado e agimos como tal. Não barramos a violência em nossas casas, em nossas famílias. Esperamos que o amor que sonhamos terá a força suficiente para corrigir.Mas isto é utopia. Tratemos primeiro da denúncia, de buscar a lei, de perder literalmente a vergonha e fazer que estes protótipos de homens morram de vergonha.Eles é que devem se sentir constrangidos. Eles é que devem temer a repercussão dos fatos na vida profissional, social. Eles é que devem andar assustados pelo fato de terem sido denunciados nas Delegacias Especializadas, nas Promotorias, e de finalmente serem levados ao Fórum Criminal.E de que você vai ter vergonha? De ter sido violentada psicologicamente? De ter sido brutalmente atacada fisicamente? Hei mulher! A sua alma está sofrendo. Dentro de você há um caos, um buraco, um sentimento de menor valia, e se demorar mais é bem provável que a pouca coragem que você tem desça pelo ralo da pia, pela descarga do banheiro.Apoio familiar? Aquele que lhe encorajará dizendo siga em frente, siga e denuncie? Este apoio é raro. Muitos dirão que você deve relevar. Muitos dirão que em nome de Deus, em nome de Jesus você deverá perdoar.Mulher entenda que esta sociedade foi construída para fazer concessões aos homens. Não espere nem mesmo nas delegacias especializadas um atendimento generoso. A razão é que também policiais mulheres são mulheres e também sofrem violência dentro e fora dos seus locais de trabalho. São discriminadas, criticadas e acabam por sucumbir não somente a hierarquia militar, mas a própria insatisfação e ao sentimento de que nada são e nada serão. Haja depressão, haja angústia, haja desespero, haja desejo de se impor. Com arma na mão pensa em liberdade, mas não encontra caminho e chora como se não tivesse força, como se fosse alguém frágil e destreinada. O exemplo da policial que sofre serve para abrir o debate.Que mulheres somos nós? E afinal quem educou estes homens agressivos, intolerantes, raivosos, desleais? Quem tem ou teve irmãos homens lembra das leis domésticas repetidas pelas mães da época. Era comum dizer que o respeito tinha território e que os garotos estavam aptos a caçarem suas presas. Os bodes estavam soltos para a glória das famílias machistas. As outras famílias tratassem de cuidar de suas cabras e cabritas.Assim como individualmente se colhe o que se planta, os homens do século passado estão ofertando a educação que receberam. Exercem poder, exercem fascínio. O sexo e a sedução chegam junto. Sabemos que paixão não tem data para começar, mas tem prazo para acabar e isto é fato científico.Hei mulher! A paixão acabou. O amor se existiu agora é discutível. Você vai ficar aí sofrendo? Qual será o seu primeiro passo?Somente você poderá se ajudar. Somente você poderá dizer não. Procure outras mulheres e converse, desabafe. Fale com quem for possível falar. Não tema o julgamento dos outros ou das outras. Melhor você vivendo e falando do que em uma gaveta do Instituto Médico Legal.Rompa a relação. Não fique na ameaça. Se você já se sustenta, o temor não deverá existir. Se não se sustenta, certamente tem algum talento e saberá encontrar uma forma de sobreviver.Mas não tolere o primeiro tapa, a primeira injúria, a primeira calúnia, a primeira difamação.Ao contrário do que se pensa aí está o ato de amor. Levar aquele que transgride a compreender as suas atitudes. Levar a reflexão positiva do respeito e do amor ao próximo e principalmente à próxima que poderá ser você.Pense nisto e se mobilize através de ações concretas.

domingo, 9 de agosto de 2009

Curta: Yansan

Yansan e Xangô vieram juntos ao mundo. Um pertence ao outro. Eles morrerão no mesmo dia.
Esse Curta estou dedicando a um amigo de quem gosto muito. Neto com carinho para você!




Ficha Técnica

Produção: Mayra Lucas
Roteiro: Ruggero Ruschioni, Carlos Eduardo Nogueira
Som Direto: Simone Alves
Produção Executiva: Paulo Boccato, Mayra Lucas
Montagem: Carlos Eduardo Nogueira
Música: Ruggero Ruschioni
Produção Musical: Ruggero Ruschioni

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Curta: Maré Capoeira

Maré é o apelido de João, um menino de dez anos que sonha ser mestre de capoeira como seu pai, dando continuidade a uma tradição familiar que atravessa várias gerações. Um filme de amor e guerra.



Ficha Técnica:
Produção: Patrícia Bárbara

Fotografia: Mauro Pinheiro Jr.
Roteiro: Paola Barreto, Rosane Svartman, Fabiana Igrejas
Som Direto: Vampiro
Direção de Arte: Fernanda Fabrizzi
Empresa produtor: PB FILMES / AR PRODUCOES
Edição de som: Aurélio Dias
Produção Executiva: Ailton Franco Jr
Montagem: Daniel Garcia
Informações cedidas por: Festival Internacional de Curta-Metragens do Rio de Janeiro - Curta-Cinema

sábado, 25 de julho de 2009

Vivendo de Amor (por Bell Hooks)


O amor cura. Nossa recuperação está no ato e na arte de amar. Meu trecho favorito do Evangelho segundo São João é o que diz: "Aquele que não ama ainda está morto".
Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor. Essa é uma de nossas verdades privadas que raramente é discutida em público. Essa realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente falam abertamente sobre isso.
Não tem sido simples para as pessoas negras desse país entenderem o que é amar. M. Scott Peck define o amor como "a vontade de se expandir para possibilitar o nosso próprio crescimento ou o crescimento de outra pessoa", sugerindo que o amor é ao mesmo tempo "uma intenção e uma ação". Expressamos amor através da união do sentimento e da ação. Se considerarmos a experiência do povo negro a partir dessa definição, é possível entender porque historicamente muitos se sentiram frustrados como amantes.
O sistema escravocrata e as divisões raciais criaram condições muito difíceis para que os negros nutrissem seu crescimento espiritual. Falo de condições difíceis, não impossíveis. Mas precisamos reconhecer que a opressão e a exploração distorcem e impedem nossa capacidade de amar.
Numa sociedade onde prevalece a supremacia dos brancos, a vida dos negros é permeada por questões políticas que explicam a interiorização do racismo e de um sentimento de inferioridade. Esses sistemas de dominação são mais eficazes quando alteram nossa habilidade de querer e amar. Nós negros temos sido profundamente feridos, como a gente diz, "feridos até o coração", e essa ferida emocional que carregamos afeta nossa capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos um povo ferido. Feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor, que estaria amando. A vontade de amar tem representado um ato de resistência para os Afro-Americanos. Mas ao fazer essa escolha, muitos de nós descobrimos nossa incapacidade de dar e receber amor.


O Impacto da Escravidão no Ato de Amar
Nossas dificuldades coletivas com a arte e o ato de amar começaram a partir do contexto escravocrata. Isso não deveria nos surpreender, já que nossos ancestrais testemunharam seus filhos sendo vendidos; seus amantes, companheiros, amigos apanhando sem razão. Pessoas que viveram em extrema pobreza e foram obrigadas a se separar de suas famílias e comunidades, não poderiam ter saído desse contexto entendendo essa coisa que a gente chama de amor. Elas sabiam, por experiência própria, que na condição de escravas seria difícil experimentar ou manter uma relação de amor.
Imagino que, após o término da escravidão, muitos negros estivessem ansiosos para experimentar relações de intimidade, compromisso e paixão, fora dos limites antes estabelecidos. Mas é também possível que muitos estivessem despreparados para praticar a arte de amar. Essa talvez seja a razão pela qual muitos negros estabeleceram relações familiares espelhadas na brutalidade que conheceram na época da escravidão. Seguindo o mesmo modelo hierárquico, criaram espaços domésticos onde conflitos de poder levavam os homens a espancarem as mulheres e os adultos a baterem nas crianças como que para provar seu controle e dominação. Estavam assim se utilizando dos mesmos métodos brutais que os senhores de engenho usaram contra eles. Sabemos que sua vida não era fácil; que com a abolição da escravatura os negros não ficaram imediatamente livres para amar.
Depoimentos de escravos revelam que sua sobrevivência estava muitas vezes determinada por sua capacidade de reprimir as emoções. Num documento datado em 1845, Frederick Douglass lembra que foi incapaz de se sensibilizar com a morte de sua mãe, por ter sido impedido de manter contato com ela. A escravidão condicionou os negros a conter e reprimir muitos de seus sentimentos. O fato de terem testemunhado o abuso diário de seus companheiros- o trabalho pesado, as punições cruéis, a fome- fez com que se mostrassem solidários entre eles somente em situações de extrema necessidade. E tinham boas razões para imaginar que, caso contrário, seriam punidos. Somente em espaços de resistência cultivados com muito cuidado, podiam expressar emoções reprimidas. Então, aprenderam a seguir seus impulsos somente em situações de grande necessidade e esperar por um momento "seguro" quando seria possível expressar seus sentimentos.
Num contexto onde os negros nunca podiam prever quanto tempo estariam juntos, que forma o amor tomaria? Praticar o amor nesse contexto poderia tornar uma pessoa vulnerável a um sofrimento insuportável. De forma geral, era mais fácil para os escravos se envolverem emocionalmente, sabendo que essas relações seriam transitórias. A escravidão criou no povo negro uma noção de intimidade ligada ao sentido prático de sua realidade. Um escravo que não fosse capaz de reprimir ou conter suas emoções, talvez não conseguisse sobreviver.

Emoções Reprimidas: A Chave da Sobrevivência

A prática de se reprimir os sentimentos como estratégia de sobrevivência continuou a ser um aspecto da vida dos negros, mesmo depois da escravidão. Como o racismo e a supremacia dos brancos não foram eliminados com a abolição da escravatura, os negros tiveram que manter certas barreiras emocionais. E, de uma maneira geral, muitos negros passaram a acreditar que a capacidade de se conter emoções era uma característica positiva. No decorrer dos anos, a habilidade de esconder e mascarar os sentimentos passou a ser considerada como sinal de uma personalidade forte. Mostrar os sentimentos era uma bobagem.
Tradicionalmente, as famílias do Sul do país ensinavam as crianças ainda pequenas que era importante reprimir as emoções. Normalmente as crianças aprendiam a não chorar quando eram espancadas. Expressar os sentimentos poderia significar uma punição ainda maior. Os pais avisavam: "Não quero ver nem uma lágrima". E se a criança chorava, ameaçavam: "Se não parar, vou te dar mais uma razão para chorar." Como é possível diferenciar esse comportamento daquele do senhor de engenho que espancava seu escravo sem permitir que ele experimentasse qualquer forma de consolo, ou mesmo que tivesse um espaço para expressar sua dor? E se tantas crianças negras aprenderam desde cedo que expressar as emoções é sinal de fraqueza, como poderiam estar abertas para amar? Muitos negros têm passado essa idéia de geração a geração: se nos deixarmos levar e render pelas emoções, estaremos comprometendo nossa sobrevivência. Eles acreditam que o amor diminui nossa capacidade de desenvolver uma personalidade sólida.

Em Algum Momento Você Nos Amou?
Quando eu era criança, percebia que fora do contexto da religião e do romance, o amor era visto pelos adultos como um luxo. A luta pela sobrevivência era mais importante do que o amor. Somente as pessoas mais velhas - nossas avós e bisavós, nossos avôs e bisavôs, nossos padrinhos e madrinhas -pareciam dedicadas a arte e ao ato de amar. Elas nos aceitavam, cuidavam de nós, nos davam atenção e principalmente, afirmavam nossa necessidade de experimentar prazer e felicidade. Eram carinhosas e o demonstravam fisicamente. Nossos pais e sua geração, que só pensavam em subir na vida, geralmente passavam a impressão de que o amor é uma perda de tempo, um sentimento ou um ato que os impedia de lidar com coisas mais importantes.
Quando eu dava aulas sobre o livro Sula, de Toni Morrison, reparava que minhas alunas se identificavam com um trecho no qual Hannah, uma mulher negra já adulta, pergunta a sua mãe, Eva: "Em algum momento você nos amou?" E Eva responde bruscamente: "Como é que você tem coragem de me fazer essa pergunta? Você não tá aí cheia de saúde? Como não consegue enxergar?" Hannah não se satisfaz com a resposta, pois sabe que a mãe sempre procurou suprir suas necessidades materiais. Ela está interessada num outro nível de cuidado, de carinho e atenção. E diz para Eva: "Alguma vez você brincou com a gente?" Mais uma vez, Eva responde como se a pergunta fosse totalmente ridícula: Brincar? Ninguém brincava em 1895. Só porque agora as coisas são fáceis, você acha que sempre foram assim? Em 1895 não era nada fácil. Era muito duro. Os negros morriam como moscas... Cê acha que eu ia ficar brincando com crianças? O que é que iam pensar de mim?
A resposta de Eva mostra que a luta pela sobrevivência não significava somente a forma mais importante de carinho, mas estava acima de tudo. Muitos negros ainda pensam assim. Suprir as necessidades materiais é sinônimo de amar. Mas é claro que mesmo quando se possui privilégios materiais, o amor pode estar ausente.
E num contexto de pobreza, quando a luta pela sobrevivência se faz necessária, é possível encontrar espaços para amar e brincar, para se expressar criatividade, para se receber carinho e atenção. Aquele tipo de carinho que alimenta corações, mentes e também estômagos. No nosso processo de resistência coletiva é tão importante atender as necessidades emocionais quanto materiais.
Não é por acaso que o diálogo sobre o amor no livro Sula se dá entre duas mulheres negras, entre mãe e filha. Sua relação simboliza uma herança que será reproduzida em outras gerações. Na verdade Eva não alimenta o crescimento espiritual de Hannah, e Hannah não alimenta o crescimento espiritual de sua filha, Sula. Mas Eva simboliza um modelo de mulher negra "forte", de acordo com seu estilo de vida, por sua capacidade de reprimir emoções e garantir sua segurança material. Essa é uma forma prática de se definir nossas necessidades, como naquela canção de Tina Turner: "O que é que o amor tem a ver com isso?"

Se Conhecêssemos o Amor
O amor precisa estar presente na vida de todas as mulheres negras, em todas as nossas casas. É a falta de amor que tem criado tantas dificuldades em nossas vidas, na garantia da nossa sobrevivência. Quando nos amamos, desejamos viver plenamente. Mas quando as pessoas falam sobre a vida das mulheres negras, raramente se preocupam em garantir mudanças na sociedade que nos permitam viver plenamente.
Geralmente enfatizam nossa capacidade de "sobreviver" apesar das circunstâncias difíceis, ou como poderemos sobreviver no futuro. Quando nos amamos, sabemos que é preciso ir além da sobrevivência. É preciso criar condições para viver plenamente. E para viver plenamente as mulheres negras não podem mais negar sua necessidade de conhecer o amor.
Para conhecermos o amor, primeiro precisamos aprender a responder as nossas necessidades emocionais. Isso pode significar um novo aprendizado, pois fomos condicionadas a achar que essas necessidades não eram importantes. Por exemplo, no seu livro, O Hábito da Sobrevivência: Estratégias de Vida das Mulheres Negras, Kesho Scott relata uma experiência importante que a ensinou a sobreviver: Medindo treze anos, permaneci parada em frente a porta da sala. Minhas roupas estavam molhadas. Meus cabelos pingando. Estava chorando, chocada, precisando do colo da minha mãe. Ela me olhou de cima a baixo, devagar, levantou-se do sofá e caminhou ao meu encontro com o corpo carregado de críticas. Parada, com as mãos na cintura, sua sombra caindo sobre meu rosto, perguntou sem conseguir esconder a raiva: "O que aconteceu?" Hesitei como se surpresa por sua raiva e respondi: "Elas colocaram minha cabeça na privada. Disseram que não posso nadar com elas". "Elas" eram oito meninas brancas da escola. Tentei abraçá-la, mas ela se afastou bruscamente dizendo: "Que inferno! Pegue seu casaco e vamos embora".
Naquele momento Keshno estava aprendendo que suas necessidades emocionais não eram importantes. Logo depois ela escreve: "Minha mãe me ensinou uma valiosa lição naquele dia. Aprendi que deveria lutar contra a discriminação racial e sexual". É claro que essa é uma lição importante para as mulheres negras. Mas Keshno estava também aprendendo uma lição dolorosa, ao sentir que não merecia ser consolada após uma experiência traumática, como se não devesse nem mesmo esperar por isso, como se suas necessidades individuais não fossem tão importantes quanto a luta de resistência coletiva contra o racismo e o sexismo. Imaginem como essa história seria diferente se, ao entrar na sala tão abalada, Keshno tivesse recebido o consolo de sua mãe, e se primeiro sua mãe a ajudasse a se pentear e arrumar, para depois então explicar a necessidade de confrontar (talvez não naquele momento, se Keshno não estivesse preparada emocionalmente para o confronto) as alunas brancas que a atacaram. Dessa forma Keshno teria aprendido, aos treze anos, que sua saúde emocional era tão importante quanto o movimento contra o racismo e o sexismo - que na verdade essas duas experiências estavam interligadas.
Muitas de nós, mulheres negras, aprendemos a negar nossas necessidades mais íntimas, enquanto Desenvolvíamos nossa capacidade de confrontar a vida pública. É por isso que constantemente parecemos ter sucesso no trabalho, mas não na vida privada. Vocês entendem o que estou querendo dizer. Quando vemos uma mulher negra aparentemente segura de si, de seu trabalho, é bem provável que se formos visitá-la sem avisar, com exceção da sala, todo o resto da casa vai estar a maior bagunça, como se tivesse passado um furacão. Creio que esse caos representa uma reflexão de seu interior, da falta de cuidado consigo própria. A partir do momento que acreditarmos, de preferência desde crianças, que nossa saúde emocional é importante, poderemos suprir nossas outras necessidades.
Muitas vezes confundimos o reconhecimento de nossas emoções com o desejo de se manter em controle. Quando ignoramos nossas reais necessidades, a tendência é nos fragilizarmos, nos tornarmos vulneráveis e emocionalmente instáveis. As mulheres negras se esforçam muito para esconder essa situação.
Voltando a falar da mãe de Keshno, é provável que a dor de sua filha tenha trazido recordações de suas próprias feridas, nunca reveladas. Será que assumiu aquela atitude crítica, dura, ou mesmo cruel, para não se expor, chorar, e deixar de ser "uma mulher negra forte"? Mas se tivesse chorado, sua filha saberia que ela se identificava com aquela dor, que seria possível falar sobre o assunto, que não precisaria guardar essa dor.
Essa atitude representa o que muitas de nós presenciamos em circunstâncias semelhantes - ela mantinha o controle. Até mesmo sua postura física significava que mantinha o domínio da situação. Claro que, como mulher negra, essa mãe queria que sua presença fosse mais poderosa do que as meninas brancas. Um modelo de mãe que sabe como apoiar sua filha numa situação de sofrimento é representado no romance Sassafrass, Cypress e Indigo, de Ntozake Shange. Esse livro retrata mulheres negras como personagens fortalecidos pelo amor de sua mãe. Mesmo quando não concorda com certas opções de suas filhas, essa mãe as trata com respeito e oferece consolo. Esse é um trecho de uma carta que ela escreve para Sassafrass, que passa por dificuldades e quer voltar para casa. A carta começa assim: "Claro que você pode voltar pra casa! Aconteça o que acontecer, nunca vou deixar de te amar". Primeiro ela demonstra seu amor, depois aconselha, e volta a expressar seu amor: Você e Cypress me deixam louca com seu estilo de vida alternativo. Vocês precisam parar de nadar contra a corrente. Você sabe o que quero dizer... Lembre-se disso. Volte para casa e vamos resolver essa situação. Você terá muitas opções e ninguém vai te chatear ou te enganar. Nada como um dia depois do outro. Você acorda. Você come, vai trabalhar, volta pra casa, come outra vez, descansa, e vai dormir. Nossa situação melhorou. Continuo me perguntando onde foi que errei. Mas no fundo sinto que não estou errada. Estou certa. O mundo está de cabeça pra baixo e está tentando enlouquecer as minhas filhas. Agora chega. Eu te amo muito. Você está se tornando uma mulher adulta e sei o que isso significa. Volte para casa. Sei que vai descobrir algo mais sobre você. Com amor, Mamãe.

Amando Aquilo Que Vemos
A arte e a prática de amar começam com nossa capacidade de nos conhecer e afirmar. É por isso que tantos livros de auto-ajuda dizem que devemos mirar-nos num espelho e conversar com nossas próprias imagens. Tenho percebido que às vezes não amo a imagem ali refletida. Eu a inspeciono. Desde que acordo e me vejo no espelho, começo a me analisar, não com a intenção de me afirmar, mas de me criticar. Isso era comum lá em casa. Quando eu e minhas cinco irmãs descíamos as escadas em direção àquele território ocupado por meu pai, minha mãe e meus irmãos, entrávamos no mundo da "crítica". Tudo era observado e tudo estava errado conosco. Raramente uma de nós era elogiada.
Quando substituo a crítica negativa pelo reconhecimento positivo, sinto-me mais forte para começar o dia. A afirmação é o primeiro passo para cultivarmos nosso amor interior. Uso a expressão "amor interior" e não "amor próprio" porque a palavra "próprio" é geralmente usada para definir nossa posição em relação aos outros. Numa sociedade racista e machista, a mulher negra não aprende a reconhecer que sua vida interior é importante.
A mulher negra descolonizada precisa definir suas experiências de forma que outros entendam a importância de sua vida interior. Se passarmos a explorar nossa vida interior, encontraremos um mundo de emoções e sentimentos. E se nos permitirmos sentir, afirmaremos nosso direito de amar interiormente. A partir do momento em que conheço meus sentimentos, posso também conhecer e definir aquelas necessidades que só serão preenchidas em comunhão ou contato com outras pessoas.
Onde está o amor, quando uma mulher negra se olha e diz: "Vejo uma pessoa feia, escura demais, gorda demais, medrosa demais - que não merece ser amada, porque nem eu gosto do que vejo" Ou talvez: "Vejo uma pessoa tão ferida, que é pura dor, e não quero nem olhar pra ela porque não sei o que fazer com essa dor". Aí o amor está ausente. Para que esteja presente é preciso que essa mulher decida se olhar internamente, sem culpa e sem censura.
E ao definir o que vê, talvez perceba que seu interior merece ou precisa de amor. Nunca ouvi uma mulher negra dizer num grupo de apoio que não precisa de amor. Ela pode até querer esconder essa necessidade, mas não é preciso muito tempo de análise para que reconheça isso. Se perguntarmos diretamente a uma mulher negra se ela precisa de amor, a resposta provavelmente será positiva. Para nos amarmos interiormente, precisamos antes de tudo prestar atenção, reconhecer e aceitar essa necessidade. Se acreditarmos que não seremos punidas por reconhecermos quem somos ou o que sentimos, poderemos entender melhor nossas dificuldades.
Normalmente entrevisto a mim mesma e acho que outras mulheres devem fazer o mesmo. Às vezes é difícil entrar em contato com meus sentimentos, mas ao me fazer uma pergunta, geralmente encontro a resposta.
Algumas vezes a gente se olha e vê tanta confusão, tanta dor, que não sabemos o que fazer. Então precisamos procurar ajuda. Às vezes ligo para meus amigos e digo: "Não consigo entender o que sinto e não sei o que fazer, você pode me ajudar?" Muitas mulheres negras não têm coragem de pedir ajuda, pois isso significaria um sinal de fraqueza. Precisamos nos livrar desse condicionamento. Ter capacidade de pedir ajuda significa que temos poder. Cada vez que buscamos ajuda nosso poder aumenta, ao invés de diminuir. Experimente. Geralmente buscamos ajuda em momentos de crise. Mas podemos evitar a crise se reconhecermos nossa dificuldade em lidar com uma determinada situação. Para as mulheres negras acostumadas a manter o controle das situações, pedir ajuda pode significar a prática do amor, da confiança, reconhecendo que não precisamos resolver tudo sozinhas. A prática de se amar interiormente nos revela o que o nosso espírito necessita, além de nos ajudar a entender melhor as necessidades das outras pessoas.
As mulheres negras que escolhem ( e aqui enfatizo a palavra "escolhem") praticar a arte e o ato de amar, devem dedicar tempo e energia expressando seu amor para outras pessoas negras, conhecidas ou não. Numa sociedade racista, capitalista e patriarcal, os negros não recebem muito amor. E é importante para nós que estamos passando por um processo de descolonização, perceber como outras pessoas negras respondem ao sentir nosso carinho e amor. Outro dia minha amiga T. me contou que faz questão de visitar e conversar com o senhor de idade que trabalha numa loja perto de sua casa. E recentemente ele expressou sua gratidão pelo carinho que recebe dela. Anos atrás, quando ela passava por um processo de autodestruição, não tinha "vontade" de mostrar seu carinho. Hoje ela passa para ele o mesmo carinho que espera receber de outras pessoas.
Quando eu era criança algumas mulheres negras me amaram de forma "incondicional". Assim aprendi que o amor não precisa ser conquistado. Elas me ensinaram que eu merecia ser amada; seu carinho nutriu meu crescimento espiritual.
Muitos negros, e especialmente as mulheres negras, se acostumaram a não ser amados e a se proteger da dor que isso causa, agindo como se somente as pessoas brancas ou outros ingênuos esperassem receber amor. Uma vez disse para algumas mulheres negras que gostaria de viver em um mundo onde existisse amor, onde pudesse amar e ser amada. Depois disso elas passaram a rir de mim sempre que nos encontrávamos. Para que esse mundo possa existir é preciso acabar com o racismo e todas as formas de dominação. Se escolho dedicar minha vida à luta contra a opressão, estou ajudando a transformar o mundo no lugar onde gostaria de viver.

O Amor Cura
O "Poema da Mulher" de Nikki Giovanni foi importante para que eu percebesse o processo de autodestruição das mulheres negras. Publicado no livro, A Mulher Negra, editado por Toni Cade Bambara, esse poema termina assim: "olhe para aquela que teve toda sua vida marcada pela infelicidade porque é a única verdade que conheço". Nesse poema, Giovanni não apenas sugere que as mulheres negras foram socializadas para cuidar dos outros e ignorar suas necessidades, como também mostra como a autodestruição nos faz abandonar aqueles que nos querem. A mulher negra diz: "Como você se atreve a me querer - isso não faz sentido - porque se eu sou uma merda, você deve ser pior ainda".
Esse poema foi escrito em 1968. Algumas décadas depois, as mulheres negras continuam lutando para reconhecer sua dor e encontrar formas de curá-la. Aprender a amar é uma forma de encontrar a cura.A idéia de que o amor significa a nossa expansão no sentido de nutrir nosso crescimento espiritual ou o de outra pessoa, me ajuda a crescer por afirmar que o amor é uma ação. Essa definição é importante para os negros porque não enfatiza o aspecto material do nosso bem-estar. Ao mesmo tempo que conhecemos nossas necessidades materiais, também precisamos atender às nossas necessidades emocionais. Gosto muito daquele trecho da bíblia, nos "Provérbios", que diz: "Um jantar de ervas, onde existe amor, é melhor que uma bandeja de prata cheia de ódio".
Quando nós, mulheres negras, experimentamos a força transformadora do amor em nossas vidas, assumimos atitudes capazes de alterar completamente as estruturas sociais existentes. Assim poderemos acumular forças para enfrentar o genocídio que mata diariamente tantos homens, mulheres e crianças negras. Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura.



(Tradução de Maísa Mendonça)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Até quando presenciaremos nossos/as filhos e filhas terem sua saúde mental e emocional abaladas desse modo?

"Mãe, nunca vi um anjo negro.
Não há anjos negros, mãe?
Todos os anjos são brancos.
Não há anjos como eu?
Olha, todas as asas são brancas.
Como os anjos que estão no céu.
Mãe, eu nunca vou ter asas?
Não há anjos como eu?
Mãe, não há meninos negros anjos, mãe?
Mãe, onde fica o nosso céu?
Queria ser um anjo mãe.
Não posso...
Não há anjos como eu."
(Poema da Encandescente)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Basta!

Nós, mulheres pretas, lutamos para não mais sermos oprimidas por essa sociedade racista e machista que há séculos nos explora.
Basta! Não aceitaremos mais sermos espancadas por homens covardes e violentos, inimigos que na maioria das vezes compartilham conosco o mesmo teto, o mesmo leito. Não manteremos mais amores que nos deixem marcas pelo corpo, pela alma, pela vida...
Não permitiremos mais sermos vistas apenas como objetos sexuais, vendidas como mercadoria barata, tendo nosso corpo, nossa pele, nossa expressão corporal associada ao pecado, a luxuria e ao prazer imediato.
Não continuaremos mais sendo desvalorizadas no mercado de trabalho. Representando a base da pirâmide social desse país, ocupando as profissões braçais (domesticas, faxineiras, cozinheiras, lavadeiras...), ganhando três vezes menos comparado ao homem branco e tendo a maior quantidade de horas trabalhadas.
Não vamos mais ocupar os lugares domésticos das mulheres burguesas que em nome da revolução feminina não aceitam mais executarem os afazeres domésticos, mas não se importam em ter nós, mulheres pretas, ainda oprimidas pelo machismo, limpando e lavando para elas.
Não largaremos mais nossas crianças aos cuidados da vida, da desnutrição, do abandono diário, para servimos de ama de leite (ou baba como nos chamam atualmente) a filhos que não são nossos.
Não choraremos mais a morte violenta dos nossos meninos que são tirados de nós pelo trafico, pelo crime, pelo racismo policial...Também não permitiremos que nossas meninas, ainda tão crianças, tornem-se mães por conta da prostituição e do apelo sexual exposto na mídia e na realidade de nossas meninas. Chega de aceitar que nossos filhos e filhas sejam excluídos das escolas, das universidades, do mercado de trabalho, da sociedade que os tratam como delinqüentes.
Chega de sobreviver! Não queremos mais ter que ser o tempo todo mulheres fortes, firmes, duras, doentes emocionalmente, uma vez que acreditamos que não somos capazes de amar e sermos amada. Queremos ter o direito de demonstrar nossos sentimentos sem medo de sermos feridas. Queremos ter o direito de abraçar nossos filhos e filhas sem a preocupação de que precisamos ensiná-los o tempo todo a serem fortes por conta de um racismo cruel que mais cedo ou mais tarde irá machucá-los. Queremos não mais precisar lutar o tempo todo por conta dos múltiplos preconceitos que nos cercam.
Não aceitaremos mais, em nome de um padrão de beleza branco, mutilar nossos corpos, alisar nossos cabelos, afinarmos nossos narizes, acreditando que o problema realmente esta em nós.
Chega!! Não deixaremos mais que outros e outras falem sobre nossas dores, nossas realidades e necessidades...Chegou nossa hora de gritar, deixarmos soar nossa voz pelas escolas e universidades, no mercado de trabalho, nos nossos lares e comunidades, na política, na mídia, nos debates...Não aceitamos mais nos calar...Basta! Nesse momento nós, mulheres pretas, iremos falar.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Neguinho e Kika

Gênero: Ficção
Diretor: Luciano Vidigal
Elenco: Adriano Vidigal, Babu Santana, Jessica Thamires, Rose Haangesen
Ano: 2005
Duração: 18 min
Cor: Colorido
Bitola: Mini-dv
País: Brasil
Neguinho e Kika. Ele tem 13 anos, ela 14. Dois personagens que estão descobrindo o primeiro amor, vivendo uma história de esperança em uma favela do Rio de Janeiro. Kika, uma adolescente romântica, tem um sonho. Certo dia, ela realiza seu sonho, mas o destino trata de lhe trazer uma surpresa.


Texto ou imagem do link aqui

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Nina Simone

Nome Completo: Eunice Kathleen Waymon
Apelido:
Nina Simone
Data de Nascimento:
21/02/1933
Origem:
Tryon- Carolina do Norte – Estados Unidos
Profissão:
Cantora
Gênero:
Gospel, Folk, Jazz, R&B, Soul, Blues
Data da morte:
22/04/2003

Nina Simone foi uma grande pianista, cantora e compositora americana. O nome artístico foi adotado aos 20 anos, para que pudesse cantar Blues, a "música do diabo", nos cabarés de Nova Iorque, Filadélfia e Atlantic City, escondida de seus pais, que eram pastores metodistas. "Nina" veio de pequena ("little one") e "Simone" foi uma homenagem à grande atriz do cinema francês Simone Signoret, sua preferida. Nina Simone também se destacou e foi perseguida por ser negra e por abraçar publicamente todo tipo de combate ao racismo. Seu envolvimento era tal, que chegou a cantar no enterro do pacifistaMartin Luther King.

Casada com um policial nova-iorquino, Nina também sofreu com a violência do marido, que a espancava.Em um breve contato com sua obra, aqueles que não conhecem percebem logo a diversidade de estilos pelos quais Nina Simone se aventurou, desde o gospel, passando pelo soul, blues, folk e jazz. Foi uma das primeiras artistas negras a ingressar na renomada Juilliard School of Music, em Nova Iorque. Sua canção “Mississippi Goddamn” tornou-se um hino ativista da causa negra, e fala sobre o assassinato de quatro crianças negras numa igreja de Birmingham em 1963. Nina esteve duas vezes no Brasil, e seu último show ocorreu em 1997 no Metropolitan. Era uma intérprete visceral, compositora inspirada e tocava piano com energia e perfeição. Morreu enquanto dormia em Carry-le-Rouet em 2003.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nina_Simone

A primeira vez que ouvi Nina Simone eu chorei. Chorei sem saber o motivo. Chorei um choro engasgado, doido, sentido... Parecia que era um choro de décadas, um choro que precisava ser colocado para fora, um choro não só meu, mas de tantas outras mulheres pretas que lutaram (cada uma a seu modo, com as armas que possuíam). Foi um choro de companheirismo, um choro de alivio e compromisso (alivio por me mostrar que não estava sozinha, que existiram tantas outras antes de mim que também lutaram e compromisso com o que ainda precisa ser feito, com a responsabilidade que nós, jovens mulheres pretas, temos com nossas companheiras do passado.
Nina Simone para mim é bem mais que uma cantora de Blues, bem mais do que uma linda e suave voz que consegui ser doce e forte ao mesmo tempo. Nina Simone para mim é a mais um fio dessa tentativa desesperada de construção de identidade, de resgatar uma historia que me foi negada, de respeito com irmãos e irmãs que lutaram contra o racismo, a violência do corpo e da alma. Nina Simone, assim como tantas outras irmãs também foi oprimida, violentada, espancada, mas lutou com a arma que tinha (sua voz) contra isso. Sua historia assim com tantas outras não pode ser esquecida.
Para mim algumas músicas precisam ser ouvidas com o corpo, a alma e o coração, pois muitas vezes elas trazem na sua melodia lindas historias de vida e de luta.
Gostaria de agradecer a uma amiga muito especial que alimentou meu espírito ao me apresentar Nina Simone. Paloma adoro você!

terça-feira, 14 de abril de 2009


O que vem a sua cabeça quando escuta a palavra África?
Provavelmente a visão de uma África triste, de pessoas famintas e doentes, pobre, incapazes de lutar por suas vidas, um lugar para se fazer boas ações, serem caridosos (as) ajudando um povo tão frágil e indefeso. Enxergamos a África como um lugar com pessoas dignas de dó e piedade. Quantas vezes não ouvimos frases do tipo: “precisamos levar o desenvolvimento ao Continente africano”, “Que tristeza ver essas pessoas tão famintas e doentes”, “A África é um lugar tão pobre de tudo, não podemos deixar esse povo morrerem”, “Olha filhinha não desperdice comida, pois na áfrica existe um monte de crianças que passam fome!”.
Como podemos nós, um país com a maior concentração de descendentes de africanos desconhecermos nosso continente de origem? Eu disse CONTINENTE e não país como muita gente entende a África. Profissionais acadêmicos prestes a dar aula de Geografia ainda enxergam a África como um país!!!! Como pode um absurdo desses? Até quando mostraremos nas salas de aula a visão de uma África estereotipada, representada como o país do safári, selvagem, exótica, homogênea, sem valor humano, cultural, sem historia, sem vida... Uma África completamente dependente.
O Continente africano não é só fome, miséria e doença. São 54 países independentes. Um continente rico em cultura, arquitetura, paisagens, cores, tradições, historias, cidades, pessoas...

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SOU ÁFRICA



(Rogério, Thomas, Gnomo, Junior são de São Paulo/SP)


Quem vende sua alma barato é rato
É fato o que tenho dito
Sou preto, e repito
Não me dou ao inimigo
E o rato paga o pato
Ao se vender para o inimigo
Não paga como indivíduo
Mas sim como coletivo
Com sua alma de preto. Paga
Com o seu povo no gueto. Paga
Nas senzalas, nas correntes. Paga
Outrora escravizaram nosso corpo
E a liberdade estava na mente
Hoje escravizam nossa mente
Quando o corpo é independente
Isso na cabeça de meus irmãos, não aceito
Portanto... é por pouco tempo
Com minha lança furo seu sapato
E venho na multidão
Cobrando 500 anos de escravidão
Não sou rato; sou mais um em um milhão
Sou Zumbi, sou Luiz Gama,
sou Malcon X,sou Marcos Garvey
Sou homem preto, mulher preta,
sou jovem, sou criança...
Sou África.


A mesma África, um outro olhar

UM LUGAR CHAMADO UMOJA

Foto-reportagem de Christophe Calais/
Corbispor Manuel Dias Coelho

Umoja é nome de aldeia, de refúgio único de mulheres ultrajadas, de bandeira de liberdade e de fermento de feminismo. Nesse recanto do Quénia os homens entram, mas não mandam. Conheça um feudo feminino onde as mulheres são as únicas senhoras dos seus destinos. Um grupo de quenianas estigmatizadas pela violação sexual fundou uma aldeia onde só elas reinam, dominam e decidem os seus destinos. Os poucos homens que com elas convivem sujeitam-se às regras da submissão ao poder feminino e os que visitam a aldeia fazem-no apenas na condição de parceiros amorosos.

Uma mulher de corpo inteiro
Rebecca Samaria Lolosoli é uma mulher de idade indefinida que fundou a aldeia de Umoja, dando abrigo a outras mulheres que, como ela, foram ou são vítimas de violação ou de abusos sexuais, ou que querem fugir de casamentos forçados ou de uma escravidão diária. Um dia, na sua aldeia, enfrentou o poder patriarcal e familiar ao decidir que o casamento de um irmão seu com uma rapariga de 13 anos não iria ter lugar. Agarrou na mão da menina, que tremia, e disse-lhe: “És uma criança. Ele é um velho. As mulheres já não têm de aturar este tipo de disparates.” E ordenou ao irmão que regressasse a casa. Só.


Um lugar de excepção
Ao contrário do que acontece na restante África, as mulheres circulam livremente em Umoja, sem receio de poderem ser assaltadas sexualmente. Segundo o relatório de uma ONG ao serviço da Organização das Nações Unidas, as distâncias extremas que as mulheres africanas são forçadas a percorrer para se abastecerem de alimentos, de água, ou de lenha para elas e para os filhos, propiciam as violações sexuais. Alerta esse documento: “As mulheres têm de caminhar longas distâncias, por vezes no interior das florestas, apenas para encontrar água. Durante a caminhada elas são, muitas vezes, vítimas de violação.” Até nisto, Umoja é um reduto de liberdade.
De vítimas a mulheres determinadas

Umoja é um feito de 15 mulheres lideradas por Rebecca Lolosoli, as quais travaram uma dura luta com as autoridades britânicas para que se fizesse justiça por terem sido violadas, várias delas repetidamente, por soldados britânicos durante exercícios militares no Quénia, nos anos 80 e 90. Algumas exibiram como prova os filhos mestiços. A justiça acabou por ser feita e pagas indemnizações, e o seu paladino foi Martyn Day, do escritório de advogados Leigh Day & Co., sedeado em Londres. Ainda assim, os maridos repudiaram-nas por elas constituírem uma mancha na sua honra de homens. Abandonadas, decidiram fundar um lugar só para mulheres, Umoja, e viver pelos seus meios. Passados 17 anos, vivem independentes, algumas com filhos nascidos de uniões recentes com os namorados que visitam a aldeia.
Os frutos da liberdade

São cerca de meia centena as mulheres que vivem em Umoja e que passaram a subsistir de artesanato e de elaborados colares de contas que fabricam e vendem a mulheres samburu e a turistas que viajam para a Reserva Nacional de Samburu. Estão ligadas ao mundo exterior pelas novas tecnologias, como se pode ver pelo telefone celular na fotografia acima. Rebecca Lolosoli tem um site onde pede apoio e ajuda financeira ao seu louvável projecto em www.jambosafaris.com/umojacharity.htm. A loja on-line de venda de artefactos destas mulheres, cujos proventos revertem a favor da causa, pode ser consultada em www.samburucouncil.co.uk. Os contactos com Lolosoli podem ser feitos através do e-mail mailto:paranlolo@africaonline.co.ke.ke.

Um caso de sucesso
suficientes para subsistirem com os filhos e com os escassos homens que optaram pela “submissão” às leis da comunidade. Com as mulheres no comando, as crianças passaram a frequentar a escola da aldeia em vez de tomarem conta do gado, como ordenariam os homens se vivessem num outro lugar. Rebecca Lolosoli disse ao The New York Times: “Temos visto tantas mudanças positivas nestas mulheres. Estão mais saudáveis e felizes. Vestem-se melhor. Dantes costumavam pedir [alimentos]. Agora, são elas que dão comida a outros.”
A força de mulheres livres
Quando as mulheres erigiram a aldeia de Umoja, os homens que se sentiram abandonados construíram uma outra aldeia do outro lado da estrada, de forma a melhor poderem controlar as vidas e os actos das suas mulheres, noivas ou familiares que decidiram viver na comunidade feminina. E porque não existe o divórcio na cultura samburu, muitos dos homens irrompem pela aldeia exigindo o regresso a casa das esposas. Se eles se tornarem violentos face à resistência delas, as mulheres recorrem às autoridades locais. A independência em Umoja faz com que sejam as mulheres a eleger os seus parceiros sexuais. Uma delas disse: “Nós não dizemos que não precisamos dos homens. Somos humanas e temos as nossas necessidades. Mas os homens que aqui entram ficam por pouco tempo. São meros namorados.”

Cantar a felicidade

Rebecca Lolosoli e as suas companheiras de luta e de vida em comum têm motivos para se sentirem felizes. O que elas conseguiram é um pequeno paraíso comparado com a dramática realidade das demais mulheres africanas. Em Março deste ano, Alpha Oumar Konaré, presidente da Comissão da União Africana (UA), denunciou que a violência contra mulheres e raparigas em África atingiu níveis sem precedentes, e isto inclui a violação sexual de mulheres de todas as idades e de bebés menores de um ano. O exemplo de Umoja é difícil de repetir num continente onde se intensifica a feminização da pobreza e se dissemina de forma assustadora o vírus da Sida nas mulheres.
O poder no feminino
A independência adquirida pelas mulheres de Umoja tornou-as tão respeitadas que mulheres de outros pontos do Quénia têm procurado refúgio na aldeia, e a sua matriarca, Rebecca Lolosoli, participou numa importante conferência internacional sobre género e igualdade de oportunidades entre os sexos, realizada em Nova Iorque. Lolosoli tem razão quando afirma: “Nós, as mulheres, estamos sempre debaixo dos homens. Tratam-nos como se não existíssemos. Só servimos para lhes dar filhos. É como se fôssemos propriedade deles, e, ainda por cima, somos maltratadas.” Só que em Umoja isso já faz parte do passado e Rebecca Lolosoli garante que assim se irá manter.
Fontes: Edições on-line de The Washington Post, The New York Times, BBC News, Organização das Nações Unidas, União Africana e site de Leigh Day & Co

quinta-feira, 26 de março de 2009

E de repente, não mais que de repente... Eis que ele surge. Que belo sorriso, tão amável, gentil... Será possível!? Talvez seja ele o tão esperado amado.
E de repente, não mais que de repente... Sua entrega total a um novo amor...Juras eternas, flores, desejos, tudo o que foi imaginado agora sim, real....
E de repente, não mais que de repente, eis que acontece... A primeira briga. Ciúmes, insegurança, medo de perder. Ele pede desculpas...Não precisava ter alterado a voz, te ofendido verbalmente, ter ameaçado. Tudo bem! Foi só uma briguinha besta. Ciúmes... è sinal que ele ama.
E de repente, não mais que de repente... Aumentam as brigas, altera-se cada vez mais a voz, o humor, a relação de amor e ódio. Surgem as marcas...Um empurrão, um puxão de braço,um tapa, choro, palavras que machucaram profundamente. Cadê aquele sonhando amado?? Quanta desilusão. Mas ele pede desculpa, mais uma vez foi o excesso de amor, muito ciúmes, problemas no trabalho, medo de perder. Tudo bem! Talvez você tenha dado motivo, talvez não esteja sendo compreensiva o bastante, talvez não esteja cumprindo com suas obrigações de companheira.... Afinal que homem não ficaria irritado com tantos problemas na cabeça. É o estresse, logo passará.
E de repente, não mais que de repente, eis que não passou e as marcas aumentaram... Socos, chutes, murros, seu braço quebrado, seu rosto inchado... O que dizer no momento desse? Silencio. Óculos escuros...Não foi nada, cai da escada... A culpa como sempre foi sua. O que estou fazendo de errado? Sabe que preciso deixá-lo, mas como fazer isso se ainda o ama tanto? Não saberia viver sem ele. Talvez ele esteja certo... Olhe para você...Quem iria ama - lá , se não ele?
E de repente, não mais que de repente, eis que algo muda e aquele amor tão bonito do inicio dar lugar ao medo, a insegurança, a tristeza, a desesperança... estupro, mais um filho perdido por conta das surras. Agora chega!Preciso deixá-lo, mas como? Para onde ir? Ele prometeu te achar em qualquer lugar. Esta presa a ele.
E de repente, não mais que de repente, eis que deixa de ser humana e vira propriedade e como tal não tem mais o controle da sua vida, do seu corpo, do seu pensamento, das suas vontades. O encanto acabou... O amado agora é o inimigo, o seu agressor. Qualquer motivo serve para uma surra nova... a comida que não ficou boa, a casa que não esta devidamente limpa, seu cheiro, sua presença, sua passividade ...
E de repente, não mais que de repente, surge o momento... É agora! Tem que ser agora... Roupas na mala, passagem comprada, um fio de coragem...Você pode! Sei que pode fazer isso... Um olhar no espelho...Quanto roxo, quantas cicatrizes pelo corpo. Chega! Não quer mais isso. Merece ser feliz ser amada de verdade.
E de repente, não mais que de repente eis que esta parada em frente à delegacia. Respiração ofegante... Meu deus, como é difícil? Mas já esta ali e não pode desistir. Precisa fazer isso por si e por tantas outras que ainda estão no cativeiro de seus lares, tendo suas vozes abafadas por socos, tapas, chutes, estupros... Boletim de ocorrência feito, lido e assinado. Será que acabou? Talvez isso não o impeça de ir atrás numa nova tentativa de te ferir...Mas dessa vez conto com o nascer de um novo amor... O amor próprio que te fará lutar, gritar e romper com esse ciclo de agressões.
E de repente, não mais que de repente, eis que chora um choro leve, sem dor, sem medo, sem desamor... As marcas ainda estão espalhadas pelo corpo e pela alma e só o tempo será capaz de fechar essas feridas que ainda sangram. Eis que respira profundamente... Esta viva e livre novamente!
(Luciana dos Santos - 06/03/09)

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A Mulher Negra Guerreira Está Morta!!! Esta???


A Mulher Negra Guerreira está morta...Há poucas horas, enquanto lutava com a realidade de ser humana e não um mito, a mulher negra guerreira faleceu.Fontes médicas afirmam que ela morreu de causas naturais, mas os que a conheceram sabem que ela morreu por ficar em silêncio quando deveria ter gritado; por sorrir quando deveria ter liberado sua fúria; e por esconder sua doença para não incomodar a ninguém com sua dor.Ela morreu de overdose de gente em suas costas quando não tinha energia nem para si mesma.Ela morreu de tanto amar homens que não amavam a eles próprios e que a única coisa que lhe davam em troca era um reflexo distorcido.Ela morreu por criar filhos sozinha e por não poder fazer todo o serviço.Ela morreu por causa das mentiras sobre a vida, os homens e racismos que sua avó contou à sua mãe e sua mãe lhe contou.Ela morreu por ser sexualmente molestada quando criança e por ter que carregar a verdade consigo pelo resto da vida, trocando sempre a humilhação por culpa.Ela morreu de tanto ser espancada por alguém que dizia amá-la, e ela permitia que o espancamento continuasse para mostrar que também amava esse alguém.Ela morreu de asfixia, cuspindo sangue por causa dos segredos que guardava tentando abafá-los em vez de se permitir a crise de nervos que lhe era de direito – mas que só as mulheres brancas podem se dar ao luxo de ter.Ele morreu de tanto ser responsável, porque ela era o último degrau de uma escada sem apoios e não havia ninguém que pudesse ampará-la.A mulher negra guerreira está morta. Morreu por causa dos tantos partos de crianças que ela na verdade nunca quis, mas que a moral estranguladora dos que a cercam obrigou-a a ter.Ela morreu por ter sido mãe aos 15, avó aos 30 e um antepassado aos 45.Ela morreu por ter sido derrubada e tiranizada por mulheres não-evoluídas que se diziam sisters, companheiras.Ela morreu por fingir que a vida que levava no século XXI era um momento Kodak e não um pesadelo pós-escravidão.Ela morreu por tolerar qualquer zé mané só para ter um homem em casa.Ela morreu por se relacionar com homens brancos,e acreditar que era amor.Ela morreu por falta de orgasmos, porque nunca soube de suas reais capacidades.Ela morreu por causa dos joelhos dolorosamente comprimidos um contra o outro, porque respeito nunca fez parte das preliminares sexuais que lhe eram impostas.Ela morreu por causa da solidão nas salas de parto e abandono nas clínicas de aborto.Ela morreu por causa da comoção nos tribunais onde sentava-se, sozinha, vendo seus filhos serem legalmente linchados.Ela morreu nos banheiros com as veias irreversivelmente abertas pelo descaso geral e pelo ódio que sentia por si mesma.Ela teve morte cerebral combatendo a vida, o racismo, os homens, enquanto seu corpo era arrastado para um matadouro humano para ser espiritualmente mutilado.E algumas vezes quando se recusou a morrer, quando apenas se recusou a entregar os pontos, ela foi assassinada pelas imagens fatais de cabelos loiros, olhos azuis e bundas chapadas, quando foi rejeitada pelos Pelés, Djavans e Ronaldinhos da vida.Às vezes, ela era arrastada para a morte pelo racismo e pelo sexismo, executada pela ignorância hi-tech enquanto carregava a família na barriga, a comunidade na cabeça, e a raça nas costas.A escandalosa mulher guerreira sem voz está morta!!!!!!Ou Ela Está Viva, E Se Mexendo????? ?Eu sei que eu ainda estou aqui.E você? Está se sentindo viva?Irmã .. cuide-se!Asé


(tradução do texto The Strong Black Woman is Dead, de autora desconhecida)

Pintura: “Sisters in Spirit” – Monica Stewart

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas... continuarei a escrever. (Clarice Lispector)

Sempre gostei de escrever. A escrita para mim vai muito alem do simples juntar de letras. A escrita para mim é um registro, minha historia desenhada e guardada para quem um dia se interessar em ler.
Talvez essa vontade de escrever e registrar minha historia tenha vindo da minha falta de historia. Nós pretos e pretas sabemos muito bem a dor de passados sem registros a espera de historia de vidas que foram omitidas... Histórias do nosso povo, nossos ancestrais, nossa cultura, nossos irmãos e irmãs que lutaram por uma sociedade mais justa e igualitária, sem o racismo, preconceito, machismo e outros males que ainda permanecem em nossa sociedade.
Comecei a escrever muito cedo, para quem sabe com isso reencontrar a minha historia ou dar inicio a uma história para que meus filhos, netos, bisnetos ou qualquer um que se identifique pudesse ter como um ponto de partida. De inicio a escrita para mim era uma tentativa de
autoconhecimento (escrever, escrever, escrever... para reler e tentar entender). Mas agora percebo que a escrita pode ser muito mais que isso.... A escrita pode ser uma das minhas ferramentas de luta (contra o racismo, a desigualdade social, o machismo, o sexismo, a violência contra a mulher...).
O objetivo desse blog é construir mais um espaço de debate e discussão sobre questões que envolvem principalmente a mulher preta. Noto, ao tentar buscar pela internet, que ainda é muito complicado encontrar blogs e sites que falem sobre a condição da mulher preta em nossa sociedade. Todavia sei que existem muitas lutas em que todos nós devemos prestar solidariedade e por isso tentarei abordar outros assuntos pelo qual me solidarizo e contribuo com minha luta diária.
Não me considero uma militante. Sei que ainda tenho muito que aprender... Por enquanto me classifico como uma mulher preta que busca construir e fortificar cada vez mais sua identidade, contribuindo (talvez de forma mínima ainda) na luta contra tudo o que nos oprime.

Quem eu sou!??



VOCÊ É ESPELHO DO QUE VOCÊ GOSTA... ENTÃO EU SOU:
mulher preta, família, militante, laranja, blues, TIM Maia, banho de chuva, lua cheia, batata frita, olhares, sorriso, trança, preto, abraço, beijo, amasso, cama, pica pau, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, miojo, vermelho, roxo, tentação, girassol, futebol, arroz com feijão, brincos de argola, madrugada, brigadeiro, soverte de flocos com sensação, um bom perfume, camiseta, liberdade, declarações, letra de musica, papear com os amigos e amigas, carta, bolo da minha mãe, internet, educadora, elogios, tic tac, o azul do mar, sonho de valsa, abacaxi azedo, lagrimas, solidão, multidão, Butantã, rasteirinha, a cura, Chaves, bolinho de chuva, fotos em preto e branco, vinho quente, céu estrelado, Rio Pequeno, jazz, feliz ano velho, Discovery, massagem, brilho labial, Black, incenso, lugares novos, bons momentos, banho quente, lembranças, queijo, leite quente, ter o controle, sexo, pavê, passeios pelo Pontal do Paranapanema, conchinha, esmalte escuro, meia luz, aquário, inverno, pão com mortadela, todo mundo odeia o Cris, trufa, estar apaixonada, pensar, pensar, entrar em crise, sair da crise, meu estilo, café, poesia, companheirismo, macarrão, creme para o corpo, falar , falar e falar, salsicha, pessoas inteligentes, Ra-tim-bum, aconchego no peito, acordar sem ninguém me chamar, lápis de sobra, sorriso, meu cabelo, surpresas, samba de raiz, estar feliz, um dia que termina bem, saudades, amores para recordar, molho verde, sabonete, chá mate, reencontro, amores, sabores, ser desejada, olhar para o nada, desenho animado no cinema, pimenta, pão com manteiga, escrever, escrever e depois reler para tentar entender, ser lembrada, dormir ouvindo musica, tomar minhas próprias decisões, ser corajosa, pijama e meia, receber visitas, achar respostas, segurança, um bom desafio, ficar em casa, Pequeno Príncipe, Ray Charles, pizza de madrugada, ficar sem fazer nada....ENFIM...