“ Balançando sob a luz do sol, a melancolia há de esmorecer. Balançando sob a luz do sol, as lagrimas hão de secar. Quando as mulheres negras foram trazidas à força para o litoral americano, sendo escravizadas e mais maltratadas do que gado, elas trincaram os dentes e, decididas a sobreviver em seu destino, deram a luz ao blues , à melancolia. Desde então, todas as mulheres afro-americanas têm procurado uma cadeira de balanço e a luz do sol para espantarem sua tristeza..”
(Opal Palmer Adisa)
Sou de uma família cheia de mulheres. Mãe, duas irmãs, muitas primas (de 1º e 2º grau), tias... Mulheres pretas guerreiras, das vozes rocas e altas, de risadas longas e gostosas, de muita expressão corporal.
Essa semana me veio à memória lembranças do meu tempo de menina, foi ai que parei para pensar que existe uma coisa que provavelmente faz parte da infância de toda menina preta: O ritual do trançar o cabelo. Qualquer menina preta sabe que esse momento envolve mais do que o entrelaçar de dedos sobre nossas cabeças.
Lembro-me que o momento de trançar o cabelo é a justificativa para a reunião entre mulheres... Todas na sala. Enquanto uma trançava o cabelo as outras conversavam ao redor. Era o momento de lembranças de família... Mães, tias, vizinhas, amigas... Falando de seus tempos de bailinho, suas brincadeiras e travessuras... Esse era o momento de chorar, compartilhar problemas, ajudar uma a outra. Era o momento que elas tinham para baixarem seus escudos da guerra diária, para se permitirem emocionalmente. Enquanto isso nós as filhas ficávamos correndo desesperadas para trançar o cabelo (como doía!).
Mas não tinha jeito... O dia de trançar o cabelo era inadiável e mesmo que corrêssemos, uma hora éramos pegas e pronto...Lá estávamos nós presas entre as pernas das nossas mães. E mesmo diante das reclamações sobre o estado dos nossos cabelos e de um o outro puxão, na tentativa de desembaraçar a secos os fios crespos, esse era o momento do ritual. Um momento de amor entre mãe e filha que nenhuma palavra consegue expressar. Os dedos da mãe entrelaçando-se em nossa cabeça... Mãos carregadas de ancestralidade, de amor e cuidado. Não importava a dupla (às vezes tripla) jornada de trabalho, os sofrimentos, a tristeza de uma vida dura e miserável, as feridas provocadas por sociedade racista e machista... Sempre haveria um tempo para trançar o cabelo. Recordo que algumas vezes acordava pela manha sem saber em que momento minha mãe havia trançado meu cabelo (como ela conseguia trançar meu cabelo enquanto eu estava dormindo? ).
Uma vez me perguntaram quando eu havia aprendido a fazer tranças no cabelo. Foi então que percebi que isso acontece tão naturalmente na vida de uma menina preta, que nem sabemos quando ou como aprendemos. Simplesmente trançamos e pronto! Não é algo ensinado (tecnicamente falando), mas sim vivenciado, sentido, construído... Num ritual de carinho entre mães e filhas.
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